quinta-feira, 4 de julho de 2013

Finalmente Peirce! - resenha

Semiótica e filosofia – textos escolhidos de Charles Sanders Peirce 
Charles Sanders Peirce
Editora Cultrix, 1972                                                                  

Por Carlos Vogt

Em 1972, a editora Cultrix, então sob a direção editorial do saudoso poeta e ensaísta José Paulo Paes, publicou o livro Semiótica e filosofia – textos escolhidos de Charles Sanders Peirce, com introdução, seleção e tradução de Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg.
Publiquei, na ocasião, saudando com entusiasmo intelectual juvenil e sincero a iniciativa, uma resenha do livro no vol. 13, n. 2, de junho de 1973, da Revista de Administração de Empresas, da Fundação Getúlio Vargas, às pp. 27-36.
Vários anos se passaram, mas relendo esse pequeno trabalho fiquei com a impressão de que ele poderia contribuir ainda para uma compreensão de questões fundamentais que envolvem a ciência e o fazer científico, seu lugar epistemológico e a dinâmica de suas relações de representação simbólica do mundo, com o mundo, com a linguagem, na linguagem, no homem, com sua eterna provisoriedade.
Renovei, contudo, a certeza de que o seu maior interesse, como, aliás, deve ser o de toda resenha, é o de motivar o leitor para a atualidade da obra de Peirce e de sua enorme contribuição para a semântica, para a teoria lingüística, para a teoria literária, para a filosofia da linguagem, para a filosofia da ciência, para a semiótica, enfim, para a epistemologia de um modo geral.
É esse, pois, o sentido de republicá-lo agora, aqui nesse espaço virtual da ComCiência, neste número da revista dedicado às questões nada simples, mas fundamentais e sempre presentes que envolvem as relações entre ciência e religião.

Finalmente Peirce [1]

1. Contendo sete textos, um dos quais é um fragmento de uma carta, entre a imensa produção do lógico e filósofo americano, a edição brasileira de Peirce deve ser acolhida com entusiasmo, num momento em que sabemos o quanto, adequada ou inadequadamente se fala no novo espírito científico - para arremedar o título do importante trabalho de Bachelard - e em que as chamadas ciências humanas tentam, numa multiplicação de esforços, assumir a sua classificação como tal e povoam, mitologicamente, o seu discurso com o sucesso de personagens migrados do seu próprio interior, isto é, de áreas que conseguiram mais rapidamente importar os métodos da matemática e da lógica, como é o caso da lingüística. Daí a comunicação, a de massa e a do pão feito, os signos, os modelos, as estruturas e quejandos apetrechos, que a fase heróica ou de lua-de-mel do processo de irmanização da natureza e do homem vai incorporando com zelo ou modismo no preenchimento do novo espírito da ciência.
Há, nesta edição, como seria inevitável que houvesse, todos os problemas que uma tal seleção apresenta à aventura de quem a empreende, muito menos por falha de quem seleciona e muito mais por complexidade e amplitude do material a selecionar: obra vastíssima, em parte publicada em revistas, em grande parte inédita e só postumamente publicada em volumes (oito ao todo, os Collected Papers, sendo que os seis primeiros foram publicados entre 1931 e 1935 e os dois últimos em 1958, todos pela Harvard University Press).
Contudo, e no sentido do que acima foi dito, esta divulgação de alguns dos trabalhos de Peirce deve ser recebida com apreço.
A seleção feita pelos tradutores brasileiros destacou os seguintes textos da obra de Peirce: “A propósito do autor”, “Como tornar claras as nossas idéias”, “A fixação das crenças”, “Classificação dos signos”, “O ícone, o indicador e o símbolo”, “A propósito de signos e categorias”, destacado de uma carta de 12 de outubro de 1904 para Lady Welby, personagem das relações de Peirce que foi dama de honra da rainha Vitória e interessada no estudo da semântica, e, por fim, o artigo “Dedução, indução e hipótese”.
Se tais textos conseguirem fornecer ao leitor brasileiro uma amostra o quanto possível, representativa da obra, então sua tarefa estará cumprida.
O primeiro texto dá ao leitor a possibilidade de se confrontar com o traçado geral que Peirce faz de sua atividade de pesquisador, apontando a perseverança de suas leituras, o longo tempo de sua indagação e produção (“o desenvolvimento de minhas idéias foi trabalho de 30 anos” p. 46), as obras e os autores caminhados e a profissão de fé no conhecimento (“sempre senti que minha filosofia brotasse de um falibilismo, combinado com decidida fé na realidade do conhecimento, e de um intenso desejo de investigação” p. 47).
O falibilismo como método científico, contrariamente a outros métodos, o da tenacidade, o da autoridade e o método a priori, que o autor discute no artigo “A fixação das crenças” admite fundamentalmente que toda tentativa no sentido de descobrir a verdade pode estar laborando em erro e é exatamente à espreita do erro provável que a verdadeira pesquisa científica avança, na medida em que a certeza absoluta, a precisão absoluta, a universalidade absoluta e mesmo o chamado inexplicável são cuidadosamente examinados e afastados como entraves à pesquisa pelo método científico ou experimental.
Preocupado em estabelecer uma relação necessária entre ciência e filosofia, Peirce formula o método pragmático no intuito de fornecer um método científico para a filosofia, isto é, um método que pudesse conferir significado às idéias filosóficas em termos experimentais, de modo que a investigação das opiniões, a fim de estabelecer-lhes a verdade, é o objetivo fundamental do método científico, enquanto o pragmatismo deve responder pela determinação experimental do significado das idéias ou conceitos intelectuais.
O método do pragmatismo, segundo o testemunho e reconhecimento de William James, “foi pela primeira vez introduzido em filosofia pelo Sr. Charles Peirce, em 1878. Em um artigo intitulado “How to make ours ideas clear”, publicado em Popular Science Montly, em janeiro daquele ano, o Sr. Peirce, ao assinalar que nossas crenças são na verdade regras de ação, declarou que, para desenvolver o significado de um pensamento, temos apenas de determinar que conduta é ele adequado para produzir: essa conduta constitui para nós a sua única importância”.[2]
Contudo, e apesar da influência que Peirce exerceu sobre todo o desenvolvimento do pragmatismo nos trabalhos de James e Dewey entre outros, apesar também do reconhecimento dessa influência por parte desses filósofos, é importante ressaltar que o próprio Peirce nem sempre se mostrou de acordo com a utilização que outros fizeram do termo “pragmatismo” tendo mesmo proposto uma nova designação de seu método, suficientemente inusitada e estranha, pragmaticismo, mas com a vantagem de não atrair visitantes afoitos.
Fato é que as conseqüências práticas de um conceito e que lhe constituem o significado nada tem a ver, necessariamente, com a utilidade que James lhes atribuiu. Para Peirce, ao contrário, comprometer a pesquisa científica com qualquer objetivo de ordem moral ou de qualquer outra ordem que não fosse o da investigação impessoal da verdade, era um risco que a ciência devia evitar sob pena de incorrer nas falhas que os métodos discutidos no artigo “A fixação das crenças” apresentam.
Desvinculando assim o conceito de conseqüências práticas dos limites da utilidade ou do valor econômico, Peirce entende por tal aquelas conseqüências possíveis de serem previstas e cuja realização é resultado de alguma operação, de forma que o caminho definitivo para o esclarecimento das idéias é experimental, isto é, o caminho que leva a encontrar na prática as conseqüências previstas de qualquer conceito.
No sentido dessa predictibilidade do método, o pragmatismo constitui-se como uma hipótese para o estabelecimento do significado de conceitos intelectuais e ainda como meio para estabelecer a legitimidade de uma hipótese, enquanto tal.
Nesse ponto o artigo “Dedução, indução e hipótese” aparece como fundamental para que se compreenda tanto o papel do elemento lógico no pragmatismo de Peirce como a identificação do método com o raciocínio abdutivo ou hipotético.
Distinguindo a dedução como o tipo de raciocínio cuja conclusão decorre necessariamente das premissas, raciocínio de tipo analítico que não é mais do que a aplicação de uma regra a um caso para chegar a um resultado particular, de dois outros raciocínios de tipo sintético, a indução e a abdução, Peirce, nesse artigo já aponta os caminhos para melhor compreensão da afirmação que faz em outro artigo quando diz:
“Se considerarmos cuidadosamente a questão do pragmatismo, veremos que não é nada menos que uma questão de lógica ou de abdução”.[3]
Na verdade, tanto a indução como a hipótese são raciocínios cujas conclusões não se seguem necessariamente das premissas de forma que não podem ser validadas aprioristicamente como no caso da dedução. Tanto a indução como a abdução não são mais que prováveis, com a diferença que a indução parte de um caso para chegar a uma regra, passando pelo resultado, enquanto que a abdução parte de um resultado, para, aplicando a ele uma certa regra, chegar a um novo caso.
Desse modo, embora mais precário que o raciocínio indutivo, na medida em que a margem de erro de tal raciocínio é maior do que na indução, isto é, no sentido de que a abdução não é mais do que uma explicação provável, esse tipo de raciocínio, no entanto, tem uma importância fundamental para a ciência, pois é a partir dele que se podem fazer novas descobertas e prever fatos ainda não determinados.
É esse caráter criativo e ousado da hipótese que lhe confere especificidade em relação ao raciocínio indutivo, ao mesmo tempo que a identifica com o método pragmático; primeiro, porque a abdução tanto quanto o pragmatismo como método científico são falíveis e suscetíveis de correção quando o teste experimental o exigir e segundo, porque o pragmatismo, na medida em que é um método para a determinação experimental do significado de um conceito, é como a abdução a aplicação de uma regra geral a um resultado observado.
Vê-se, assim, esclarecida a afirmação de Peirce, acima transcrita, da mesma forma que podemos agora apontar de modo mais preciso a natureza de sua regra pragmática, seguindo para tanto das indicações de Guy W. Stroh. Diz ele:
“Sua regra pragmática é, pois, a) hipotética, b) operacional, c) predictiva e d) observacional. Dizê-la hipotética significa que é enunciada sob a forma de uma proposição condicional: se A então B. Dizê-la operacional significa que a parte A, ou a antecedente da condicional, envolve a ação ou realização, propositadamente controlada, de alguma coisa, para obter um certo resultado. Dizê-la predictiva significa que se prevê que a parte B, ou conseqüente da condicional, seguir-se-á como um resultado inevitável da parte A, ou da operação realizada. Finalmente, dizê-la observacional significa que podemos realmente nos referir à experiência ou à observação para determinar se os resultados previstos realmente ocorrem”.[4]
Podemos, desde já, a partir dessas observações, verificar a atualidade do pensamento de Peirce. Com efeito, se atentarmos para as posições de Popper, e tal como observam os tradutores da edição brasileira na introdução por eles realizada, ainda que não aceite a indução[5], ele descreve o progresso científico em linhas análogas às de Peirce: ”uma hipótese é proposta, submetida a teste e “corroborada” (na medida em que inexistam casos de refutação). Como a corroboração não é conclusiva, o máximo que se pode ter é certo grau de confiança na hipótese - que não foi refutada e se presta para explicar e prever os acontecimentos a que se refere”.[6]
Mas não é tudo. Sabemos ainda que na área da lingüística, e mais especificamente da lingüística transformacional, é essa a posição teórica que tem sido assumida cm resultados realmente interessantes para as ciências humanas em geral. É neste sentido que vai, por exemplo, a afirmação de Ruwet, passando por Chomsky, quando diz:
“De uma acumulação de observações ou de experiências, não é possível induzir rigorosamente uma teoria; a formulação de uma teoria comporta sempre uma parte de risco, representa uma aposta. Mas em revanche, observações ou experiências bem conduzidas (e que podem ser pouco numerosas), podem somente, levar a aceitar ou a rejeitar uma teoria”.[7]
O realismo de Peirce, ao mesmo tempo que aponta os erros em que mergulhavam tanto o nominalismo quanto o subjetivismo, estende-se, como não podia deixar de ser, à crença categórica na realidade do conhecimento de tal modo que “diferentes espíritos podem firmar-se nas mais conflitantes posições e, não obstante, o progresso da investigação os levará, por força externa, a uma única e mesma conclusão. Essa atividade do pensamento pela qual somos levados não para onde queremos, mas à meta preestabelecida, chama-se destino. Nenhuma alteração de ponto de vista, nenhuma escolha de fatos outros para estudo e nem mesmo uma natural inclinação de espírito pode dar meio ao homem de escapar à opinião predestinada. Essa grande esperança está presente nas concepções de verdade e realidade. A opinião que será afinal sustentada por todos os que investigam é o que entendemos por verdade e o objeto que nesta opinião se representa é o real”.[8]
É este mundo de fatos reais, cuja existência independe de nossas opiniões, que o método científico deve levar a descobrir, uma vez que a verdade não se constitui a partir daquilo que se pense que ela seja, mas como a adequação ao real das hipóteses formuladas, isto é, pela repetibilidade das conseqüências práticas previstas em tais hipóteses, na experiência.
Neste sentido, talvez não fosse exagero, nem excesso de zelo para com a atualidade de um autor, que dele não necessita, ver no realismo de Peirce uma certa correspondência com a afirmação de Russell, quando este diz que “verdade” é o conceito fundamental, e que é o “conhecimento” que deve ser definido em termos de “verdade”, e não o inverso.” [9]
Na medida em que o pragmatismo propõe-se como um método científico para determinar o significado de conceitos intelectuais e na medida em que, contestando o intuicismo de Descartes, Peirce nega a idéia de que o pensamento possa interpretar-se a si mesmo, é só em termos de signo que ele se efetua.
Menos interessado numa interpretação direta da realidade e preocupado com o caráter representativo dos signos, o pragmatismo vê o pensamento complexamente estruturado numa relação triática: significa alguma coisa para alguém de alguma maneira. Em outras palavras, é o caráter relacional do pensamento que torna fundamental uma teoria dos signos. Daí a preocupação de Peirce em elaborar tal teoria, de que os artigos “Classificação dos signos”, “O ícone, o indicador e o símbolo” e a carta para Lady Welby que constam da edição brasileira, podem fornecer ao leitor uma primeira aproximação.
Segundo Peirce, “um signo, ou representamen, é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo melhor desenvolvido”.
Ao signo assim criado Peirce denomina interpretante do primeiro signo
E continua:
“O signo representa alguma coisa, seu objeto. Coloca-se no lugar desse objeto, não sob todos os aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que tenho, por vezes, denominado o fundamento do representamen.”[10]
Se não há no homem nenhum poder intuitivo e se a mente não é, em absoluto, independente ou introspectiva e se a natureza do pensamento é relacional, a tarefa do pragmatismo é estabelecer a natureza dessa relação, isto é, determinar o significado dos signos. Desta maneira entende-se a afirmação de Peirce, quando diz:
“A lógica, em sentido geral, é (...) apenas outra determinação da semiótica, a quase necessária ou formal doutrina dos signos”.[11]
A partir do caráter triádico do signo, Peirce divide a semiótica em três ramos: o da gramática especulativa segundo a denominação de Duns Scotus ou da gramática pura, segundo Peirce, e que tem como objetivo “determinar o que deve ser verdadeiro a propósito do representamenutilizado por toda inteligência científica para que possam incorporar um significado”; o da lógica propriamente dita, isto é, da “ciência formal das condições de verdade das representações”; o da retórica pura, cujo objetivo é “determinar as leis em obediência às quais, em toda inteligência científica, um signo dá surgimento a outro e, especialmente, um pensamento provoca outro”.[12]
Os signos podem classificar-se, se considerados em si mesmos, em quali-signo, sin-signo e legi-signo, se considerados em sua relação com o objeto, em ícone, indicador e símbolo e, se considerados em sua relação com o interpretante, em remadicisigno ou dicente e argumento, e de suas combinações possíveis resulta o estabelecimento das 10 classes de signos que Peirce distingue.[13]
2. A medida da importância dos estudos de Peirce sobre o signo, não fosse a seriedade e o zelo com que ele os conduziu no sentido de um esclarecimento cada vez maior do método pragmático, poderia ser avaliada pelas influências que tais escritos têm exercido sobre o pensamento científico, em geral, e, em particular, sobre as ciências humanas.
Com efeito, se atentarmos para a importância que as distinções de Peirce têm assumido no campo da lingüística, nos trabalhos, por exemplo, de um Jakobson, ou para a reflexão epistemológica de um Granger acerca das ciências humanas, tal medida se configurará ainda mais precisa.
Tomemos, para que tal afirmação adquira toda sua realidade, e a título de exemplo, o importante artigo de Granger “Objet, structures et significations”.[14]
Reservando o termo “objeto” para designar aquilo que é visado e conhecido pelas ciências, o termo “estrutura” para designar o conjunto de relações abstratas que definem o objeto enquanto tal, Granger procura mostrar, dentro de sua perspectiva, que o único caminho viável que as ciências podem seguir, se quiserem desenvolver-se como ciência, é o dessa prática. Em outras palavras, a ciência deve, para se constituir como tal, recortar sobre a experiência um conjunto de relações abstratas que constituem o que ele chama “estrutura”, ou ainda, que são o resultado de uma prática específica definida em termos de estruturação da experiência[15]. A forma definida no interior dessas relações constitui o objeto da ciência. [16]
No entanto, a estruturação não recobre jamais inteiramente a totalidade da experiência. Há sempre um resíduo, uma indefinição a constituir-se como desvio e cuja natureza é móvel: quanto mais a ciência constitui a experiência em objeto de estrutura, tanto maior é o espectro referencial para a constituição de novos desvios, de modo que a prática científica apresenta-se não como um definitivo, mas como um provisório, necessário contudo para que o conhecimento se atualize.
É esta complementariedade que se define em relação à estrutura que Granger chama de significação.[17]
Contestando a homogeneidade entre a objetivação científica e a da percepção nos termos afirmativos em que Kant responde a esse problema, Granger não pode, entretanto, deixar de enfrentar um problema análogo que se instaura no interior de sua perspectiva, isto é, o problema da hemogeneidade estrutural e funcional das línguas naturais e das “línguas” científicas.
Podemos, nesse momento, não fosse toda a atividade do epistemólogo francês, amplamente preocupado com os problemas de linguagem, ampliar a visão da importância dos estudos de Peirce sobre o signo, quer para uma epistemologia que não pode prescindir da teoria da linguagem, quer para a própria lingüística, no sentido da constituição de uma tal teoria.
É exatamente no sentido de esclarecer a noção de significação que Granger vai recorrer ao esquema de funcionamento do signo, lingüístico ou não, tal como ele aparece em Peirce.
Este define o signo como sendo “uma coisa ligada sob um certo aspecto a um segundo signo, seu “objeto”, de tal maneira que ele põe em relação uma terceira coisa, seu “interpretante”, com este mesmo objeto, e isto de modo a pôr em relação uma quarta coisa com este objeto, e assim por diante ad infinitum...” [19]
A imagem gráfica quer Granger apresenta para tal funcionamento é a representada pelo desenho: [20]
O fato de que o objeto do signo seja ele mesmo um signo significa, segundo Granger, que o signo não remete a uma coisa isolada mas a uma estrutura simbólica da qual ele mesmo é um elemento.
Neste caso, a teoria de Peirce antecipa o estruturalismo dos lingüistas, na medida em que, conforme observa Granger, “o esquema puramente designativo não é, com efeito, senão um caso-limite fictício; o significante remete sempre a um objeto designado em relação a outros objetos e estas relações o situam necessariamente ao nível de conceito”.
É a partir da doutrina de Peirce sobre os signos que Granger irá não apenas precisar a distinção entre estrutura e significação, como também situar melhor o problema da homogeneidade entre a língua científica e a língua natural, situando as significações ao nível dos interpretantes e a estrutura ao nível das relações signo/objeto.
A “língua científica” se definirá pelo escamoteamento dos interpretantes, no interior da estrutura, enquanto que a língua natural o fará na integridade complexa da relação sígnica. Lingüisticamente falando, tal distinção manifesta-se, em seu estado puro, pela ausência, no caso de uma linguagem formalizada, de elementos lingüísticos embraiados na experiência - os shifters, de que nos fala Jakobson -[21] enquanto que tais elementos constituem propriedade fundamental da língua natural, concebida, como o faz Granger, essencialmente como instrumento de comunicação, cujo conteúdo é emprestado ao que ele chama de experiência.[22]
Compreende-se, desta forma, que o problema da homogeneidade da língua natural e da língua científica é fundamental para o pensamento grangeriano tanto quanto para o de Peirce. Com efeito, se, como vimos, é no interior das relações sígnicas que o pensamento pode ser apreendido, só a especificidade de tal funcionamento nos autoriza a pensar a ciência como uma prática cuja natureza é recortada no interior de um universo, que não é outro senão o universo do discurso.
A noção de significação, que recobre o residual da prática científica; introduz-se, como diz Granger [23], na utilização de todo sistema simbólico, e como “não importa que conjunto de fatos humanos se caracteriza por um aspecto simbólico”, isto é, remete, de um lado, à organização estrutural a descobrir - e a uma seqüência aberta de interpretantes, de outro, a constituição de uma ciência não pode prescindir de uma teoria elaborada do signo e, neste aspecto, os trabalhos de Peirce revelam-se essenciais.
No que concerne à lingüística, a contribuição de Peirce é, dissemos, de primeira ordem.


Assim, se a olharmos através do uso e da interpretação que dela faz Granger, poderemos com maior segurança, entender a natureza do conceito de língua que aparece já em Saussure e em todo estruturalismo, bem como num certo sentido, na lingüística transformacional, onde tal conceito remete ao conjunto de relações abstratas, cientificamente objetivadas no interior do universo estruturado por uma prática específica, ou seja, a da lingüística. Nestes termos, o conceito de língua é uma invenção teórica, cuja realidade só é concebível como objeto de estrutura. Abstratamente definido, se tal conceito ganha em generalidade e em eficacidade deve necessariamente perder em rigor e em complexidade, segundo o ensinamento de Auguste Comte. É por isso que a afoiteza com que muitos vão à fonte, afoga ao invés de matar a sede.
Tentar transpor tal e qual o método, seja ele qual for, com que a lingüística trabalha o seu objeto, ainda que para áreas cuja contigüidade com a língua pareça mais evidente, como é o caso da literatura, é esquecer que a atualização da linguagem se faz aí, de modo intenso e sistemático pelo viés das significações. É evidente que se tomada como um instrumento para o tratamento de uma experiência, a noção de estrutura e, conseqüentemente, a noção de língua evitarão mal-entendidos dessa espécie e outros tais como o que leva, por exemplo Roland Barthes, a reduzir o problema da moda às descrições que os jornais especializados fazem dela, para, não podendo ampliar o método, reduzir o fenômeno.[24]
Na linha das observações feitas acima sobre a noção de língua, a noção de sentido também será definida em termos de estrutura, isto é, o sentido tal como a língua não constituí um dado de observação, mas um objeto da teoria, uma construção do lingüista, um objeto de estrutura, enfim. Deste modo, nossa observação vai ao encontro do conceito de sentido estrutural, conceito de natureza puramente formal e cuja objetivação só pode dar-se no interior da codificação da linguagem, entendida como estrutura. A fala abre-se, no entanto, como um leque de possibilidades significativas, numa cadeia de interpretantes, região onde o acaso e as grutas escondem surpresas e passeiam tentações.[25]
Na medida em que o sentido não constitui um dado de observação, pois que ele é um abstrato, as teorias lingüísticas que afirmam ou pressupõem necessariamente a hipótese de que os enunciados de uma dada língua têm valor semântico, não podem fazê-lo senão pelo método da introspecção artificial, através de uma experimentação intelectual que parece contrariar de forma flagrante algumas das exigências fixadas para a teoria, como é o caso da previsibilidade e da adequação. Refiro-me em particular a Chomsky e aos caminhos abertos da lingüística pela Gramática Gerativa Transformacional.[26]
Se o sentido é uma nação estrutural, nos termos de Granger e a partir de Peirce, ele constitui um instrumento, uma noção operacional, da mesma forma que a língua para Saussure é um princípio de classificação para os fatos da fala. Neste ponto, e como já observei no artigo “A palavra envolvente” a proposta de descrição semântica feita por Oswald Ducrot aparece de modo realmente interessante.[27]
Considerando como dado de observação a significação, o sentido aí aparece como uma noção operatória, isto é, como um princípio de explicação para os fatos de significação. Trabalhando sobre dois componentes, o lingüístico (CL) e o retórico (CR), esta proposta de descrição semântica atribui ao primeiro componente a tarefa de determinar o sentido de enunciado (E), em termos, por exemplo de posição (P) e pressuposição (PP), enquanto que o componente retórico tem como atribuição interpretar o resultado da análise feita pelo componente lingüístico, levando agora em conta os fatores relativos à situação (S) ou, se se quiser, às condições de tal enunciado. O objetivo desta descrição é, não a atribuição de um valor semântico ao enunciado, mas a determinação da significação da enunciação, entendida como ato de fala.[28]
Tomemos um exemplo, a título de esclarecimento. Seja o enunciado:
1) Ele ainda mora na casa
Dita por um locutor A, numa situação específica em que A é o dono que a quer livre do inquilino (Ele) há muito tempo, mas que não consegue o seu intento. O enunciado 1) é pronunciado por A para um interlocutor B, ambos se encontrando num contexto social em que A deve ser, por força das circunstâncias, educado e não dar vazão a todo seu desespero de proprietário. B que no entanto está a par de todas as tentativas frustradas de A para despejar o inquilino, interpreta o enunciado 1) como significando:
1’) Ele nunca vai sair da casa
A tarefa da descrição semântica é então explicar como, a partir do sentido literal ou estrutural, nos termos de Granger, se produziu a significação 1’) que é no caso um subentendido (SE) de 1).
Em linhas gerais, o processo para a determinação de 1’) é o seguinte:
a) submetido ao tratamento do CL o enunciado
1) receberá uma representação analítica de seu sentido em termos, por exemplo, de posto e pressuposto,[29] e
b) o sentido literal assim representado será, por sua vez, submetido ao trabalho do CR, juntamente com os dados de situação em que tal enunciado ocorre, para que se obtenha a significação 1’).
O CR deve, portanto, na concepção de Ducrot, ter dupla atribuição: de um lado, deve preencher as variáveis de tipo referencial e intencional e, de outro, deve estabelecer as leis capazes de explicar, dada a situação, como a partir do sentido literal estabelecido pelo CL, produziu-se tal ou tal significação.
No caso específico de 1) o locutor B, que ouve A, raciocina a partir do fato de A ter dito tal enunciado numa situação específica, de tal forma que B interpreta 1) como sendo mais forte do que literalmente é. Assim, o que intervém no CR, para a produção de 1’) é uma lei de discurso bastante conhecida das retóricas clássicas: a (litote) ou eufemismo.
O esquema abaixo pode representar mais suscintamente tal processo de descrição semântica:
E: 1) Ele ainda mora na casa
Não se trata aqui de discutir os méritos de tal forma de descrição semântica, que é, no entanto, bastante eficaz. O que nos interessa é fazer ver o quanto esta proposta, no que concerne em particular o CR, desenvolve-se como não podia deixar de ser, uma vez que se propõe estabelecer sistematicamente a significação de um ato de fala, na linha do que Peirce chama de terceiro ramo da semiótica, ou seja, o daretórica pura, cujo objetivo, como já observamos anteriormente em citação do próprio autor, “é o de determinar as leis em obediência às quais, em toda inteligência científica, um signo dá surgimento a outro e, especialmente, um pensamento provoca outro”.
Trata-se, neste sentido, como observa Granger, “dos encadeamentos interpretativos com o signo originário e de suas ligações mútuas”. Estas ligações não relevam da estrutura do “objeto” que é signo; elas fazem intervir uma experiência exterior à linguagem, o que manifesta claramente o uso do termo “retórico para designar suas leis”.[30]
Por outro lado, a preocupação com a lógica que os trabalhos de Ducrot revelam podem perfeitamente reencontrar o segundo ramo da semiótica de Peirce, assim como sua preocupação com os gramáticos medievais marcaria o encontro de sua atividade com o primeiro ramo da semiótica peirceana, ou seja, o da gramática pura ou especulativa. [31]
Isto não quer dizer que haja necessariamente uma influência direta do lógico e filósofo americano sobre os trabalhos do lingüista francês. Não importa. O acaso no discurso é tão significativo quanto a intenção. Vale dizer que o trabalho de Ducrot, revelador de preocupações que a lingüística não pode mais postergar ? ou seja, a preocupação com o mais que a frase ? encontra em alguns pontos a sua atualidade, por coincidência ou não (pouco importa) num discurso de fins do século XIX e começos do século XX.
Importante é notar ainda que a proposta de descrição semântica, tal como ela aparece em Ducrot, na medida em que busca estabelecer as significações dos atos de enunciação, admite explicitamente a possibilidade de objetivar, cientificamente falando, aquilo que Granger chama de resíduo da estruturação. Desta forma, a prática que aí se encontra busca intencionalmente o desvio, sem contudo, a ilusão de que seja definitivamente possível amarrá-lo aos nós da estrutura. Ao contrário, quanto mais se estende o campo do estruturável, mais é intensa a imagem do residual. Sala dos espelhos que multiplica ao infinito, torce e deforma o objeto, cuja realidade é explicativa, mas jamais totalizante do real. Assim apresentada, a lingüística de Ducrot, pode, sem abuso de confiança, ser apontada como uma lingüística do desvio, no sentido em que este termo foi aqui utilizado.
Nesse momento, é também possível entender o papel da lógica, situando-a conforme faz Peirce, como um dos ramos da semiótica, na descrição das línguas naturais: ela não é determinante do funcionamento das línguas naturais, vale dizer, não tem nenhum papel normativo em relação a elas; ao contrário, o seu valor é explicativo e determinador de desvios. Além disso, é impossível conceber a natureza da linguagem lógica sem a totalidade desta experiência que se chama linguagem natural. E é desta forma que ela aparece nos trabalhos de Ducrot e na maior parte da lingüística que hoje se pratica.[32]
Procurando estabelecer a natureza do que ele chama de significação implícita, Ducrot recorre à célebre fórmula de Hjelmslev, utilizada com fidelidade por Barthes, sobre a linguagem conotativa, para diferencialmente atingir o seu propósito”.[33]
De um lado, tal distinção nos permite recolocar, de modo mais claro, a observação que acima fizemos sobre o problema da objetivação das significações na lingüística de Ducrot, sobretudo se levarmos em conta a distinção que o autor faz entre os fatos de significação implícita e aqueles que, resultantes de procedimentos estilísticos, são passíveis de uma codificação de segundo grau, de que trata a retórica conotativa.
Definida a conotação como a constituição de uma segunda linguagem, ao nível da expressão do sistema denotado, segundo o esquema abaixo transcrito,
Mais uma vez encontramos a anterioridade fecunda de sugestões, do trabalho de Peirce sobre o signo. Assim, no artigo “A classificação dos signos”, no parágrafo 2 “Os signos e seus objetos”, Peirce, insistindo sobre a diversidade necessária entre o signo e aquilo que ele representa - o seu objeto - faz a seguinte observação:
“Para que algo seja um signo deve ‘representar’, (...), algo diverso que é chamado seu ‘objeto’ embora a condição de que um signo deva ser diverso de seu objeto seja talvez arbitrária, pois se insistirmos a respeito desse ponto, deveremos, pelo menos, introduzir uma exceção para o caso de um signo que parte de um signo.” [34]
Um dos exemplos que Peirce dá para tal exceção é o seguinte: um ator que, desempenhando um papel num drama histórico, portasse como “propriedade” teatral a relíquia mesma que poderia ser representada por um sucedâneo, conseguiria um grande efeito sobre o público. Suponhamos que tal relíquia fosse a coroa de espinhos do martírio de Cristo, se é que tanto se pode supor. O efeito então conseguido decorre, em última análise, do elemento de conotação que se constitui sobre o “objeto” denotado: é a própria cristandade glorificada na ideologia do sofrimento que se faz presente, da mesma forma que, como observa Ducrot [35] o emprego de uma palavra italiana por Stendhal introduz no texto “toda a complexidade de sentimentos e emoções que ele liga à Itália: o que é, deste ponto de vista, significante, não é mais a simples forma material da palavra, mas o fato de ter empregado a palavra (tomada globalmente, como um complexo comportando ao mesmo tempo significante e significado)”.
Suponhamos, ao contrário, que um determinado autor pretenda atingir, no caso ainda da relíquia, o efeito contrário; que será, ainda que comicamente, sempre um grande efeito, e substitua a coroa de espinhos por uma peça do vestuário feminino, e a faça aparecer no momento de maior ansiedade e “fervor” religioso, num processo de envolvimento das personagens e do leitor que ele soube desenvolver como preparação desse momento. O efeito, por exemplo, a hipocrisia religiosa, não é contrário em virtude de não estar lá o instrumento mesmo do martírio de Cristo, poderoso bálsamo para as mazelas do corpo e da alma, mas porque o seu sucedâneo remete de forma violenta e definitiva para um outro sistema conotativo, que oferece como resposta ao fervor da espera a consumação do pecado. Tal é o procedimento estilístico que se pode, por exemplo, verificar no uso da ironia moralizante com que Eça de Queirós distingue a hipocrisia religiosa em A relíquia.
3. Tal é a obra de Peirce. Complexa e rica de sugestões, de difícil leitura, às vezes, de profundidade e rigor, sempre.
Nosso intuito não foi em nenhum momento pretender esgotar numa panorâmica, se tal se pudesse fazer, a intensidade com que sua obra resiste ao tempo e influencia as mais recentes atitudes diante do pensamento científico. Se conseguirmos passar ao possível leitor deste escrito a curiosidade autêntica pelo autor, então nosso objetivo estará satisfeito.
Nesse sentido, como disse no início deste trabalho, é louvável o esforço dos tradutores e dos editores para colocar alguns textos significativos do autor americano ao alcance do leitor de língua portuguesa.
É sempre triste que coisas como esta cheguem aqui como visitantes convidados, além disso, com atrasos sintomáticos.
Quanto à edição brasileira, ainda uma palavra, a título de sugestão. Há irregularidades sistemáticas na publicação, sobretudo no que concerne ás citações. Aponto aqui algumas, com o propósito de chamar a atenção dos interessados para uma virtual nova edição do livro.
Em primeiro lugar, as notas de rodapé ao longo do livro são indicadas de forma diversificada: ora com números em alguns artigos, ora com asteriscos em outros. Acontece que na edição americana os editores tiveram o cuidado de distinguir as notas do próprio autor com números, reservando outros índices, como o asterisco, para as suas próprias notas. Na edição brasileira, o leitor fica sem esta distinção.
Em segundo lugar, há no artigo “Classificação dos signos” omissão de todas as notas dos editores dos Collected Papers, enquanto em outros artigos elas aparecem indistintamente .
Em terceiro lugar, o problema da remetência de um artigo para outro está também muito maltratado na edição da Cultrix. Assim, à página 50, no artigo “Como tornar claras as nossas idéias”, Peirce refere-se ao artigo anterior (Cf. “... tal como descrito em meu trabalho anterior...”). Acontece que nos Collected Papers, o anterior é o artigo “A fixação das crenças” que na edição brasileira segue o artigo “Como tornar claras as nossas idéias”. À página 163 no artigo “Dedução, indução e hipótese”, o autor refere-se a trabalhos anteriomente publicados e os editores americanos remetem em nota de rodapé ao artigo “A fixação das crenças”, nota também omitida na edição brasileira.
Finalmente, para terminar esta lista cujo caráter não é de nenhum modo exaustivo, mas que se propõe simplesmente sugerir uma revisão cuidadosa e necessária da edição brasileira, não se entendem quais os critérios que levaram os editores a omitir a separação titulada dos parágrafos em alguns artigos e mantê-la em outros. É verdade que muitos títulos são atribuídos pelos editores americanos, mas isso não vem ao caso porque bastaria atribuir-lhes, o que é feito nos Collected Papers em nota de introdução, quando tal ocorresse, um índice qualquer que diferenciasse os títulos dados pelo próprio autor. Além disso, há na edição dos Collected Papers uma numeração dos parágrafos que percorre cada livro o que torna o sistema de referências internas muito mais simples e eficiente.
Paramos aqui. Fica a certeza de que, em qualquer hipótese, sejam quais forem os pressupostos teóricos e filosóficos de quem o lê, a obra de Peirce tem o vigor capaz de suportar tanto os mistificadores da ciência como os da filosofia. Porque não se trata de buscar aí a verdade definitiva nem o credo dos idólatras da superstição. Aos que o fizerem, certamente encontrarão a resposta desalentadora de um pensador consciente de que o único fim concebível é o da substituição do provisório pelo provisório:
“Minha obra não transmite regras impositivas. Como um tratado de matemática, sugere certas idéias e fornece algumas razões para considerá-las verdadeiras; se o leitor as aceitar, será porque teve boas razões, e a responsabilidade é dele. O homem é, essencialmente, um animal social: ser social, entretanto, é uma coisa, e ser gregário é outra; declino do papel do guia de rebanho. Minha obra destina-se a pessoas que desejam perquirir; os que desejam a filosofia mastigada podem buscar outro rumo, há botequins filosóficos em todas as esquinas, graças a Deus.”[36]
Eis a resposta.
_______________________________
[1] - A propósito do aparecimento, em edição brasileira, de alguns textos do autor: Semiótica e filosofia - Textos escolhidos de Charles Sanders Peirce. Introdução, seleção e tradução de Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo, Ed. Cultrix, 1972. 164 p.
[2] - James, William. Pragmatism: a new name for some old ways of thinking, together with four related essays selected from the meaning of truth. New York, Longmans, Green, 1907. p. 46.
[3] - Pragmatism and abduction, Collected Papers, v. 5, bk. 1, lecture 7, p. 121.
[4] - Stroh, Guy W. A filosofia americana: uma introdução (de Edwards a Dewey). Trad. de Jamir Martins. São Paulo, Editora Cultrix, 1972. p. 120.
[5] - Cf. Popper, Karl R. The logic of scientific discovery. New York, Basic Books, Inc., 1961. p. 27: “É evidente que de um ponto de vista lógico, nada nos justifica inferir proposições universais a partir de proposições singulares, por mais numerosas que elas sejam; porque toda conclusão tirada desta maneira poderá sempre se revelar falsa: pouco importa o número de cisnes brancos que possam ter observado, isto não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos”.
[6] - Id. Ibid. p. 33.
[7] - Ruwet, Nivolas: Introduction à la grammaire génerative. 2. ed. Paris, Plon, 1968. p. 13. Cf. Também Chomsky, Noam. Current issues in linguistic theory. Haia, Mouton, p. 105, citado por Ruwet, op. cit.: “Os dados de observação são interessantes na medida em que têm uma incidência sobre a escolha entre teorias rivais”. Ver ainda a Introdução do n. 16 da revista Langages: “Psycho-linguistique et grammaire generative”, em que Jacques Mehler observa com pertinência a natureza abductiva do modelo gerativo transformacional. Diz ele: “...o lingüista, na realidade, não faz senão apresentar uma formalização do processo da abdução (o que a língua natural é o que ela não é) e de maneira pela qual as leis universais de abdução são incorporadas em qualquer uma das numerosas línguas naturais de que são capazes os indivíduos humanos”. P. 11.
[8] - Peirce, Charles Sanders: Semiótica e filosofia -Textos escolhidos… São Paulo, Cultrix, 1972. p. 67-8. Collected Papers, v. 5, bk. 2, paper 5, p. 268.
[9] - Russell, Bertrand. An inquiry into meaning and Truth. 7 ed. London, George Alken and Unwin Ltd., 1966. p. 22.
[10] - Peirce, Charles Sanders: Semiótica e filosofia -Textos escolhidos... cit. P. 94; Collected Papers, v. 2, bk 2, chap. 2, p. 195.
[11] - Id. ibid. p. 93; id. ibid. p. 134.
[12] - Id. idib. p. 93-4; id. ibid. p. 134 e seg.
[13] - Id. idib. p. 105 e seg.; id. ibid. p. 146 e seg.
[14] - Granger, Gilles Gaston. Objet, structure et significations. In.Revue Internationale de Philosophie, n. 73-74, fascículo 3-4, p. 251-90, 1965.
[15] - Granger chama de experiência “um momento vivido como totalidade, por um indivíduo, ou indivíduos que formam uma coletividade”. E esclarece: “Totalidade não deve ser aqui entendida no sentido místico; o caráter de totalidade de uma experiência não se erige de modo algum num absoluto; é simplesmente um certo fechamento, circunstancial e relativo, comportando horizontes, primeiros planos, lacunas. Fechamento, no entanto, radicalmente diferente do que busca a estruturação: sem horizontes, completamente dominado, claro e distinto. Toda prática poderia ser descrita como uma tentativa para transformar a unidade da experiência em unidade de uma estrutura, mas esta tentativa comporta sempre um resíduo”. Op. Cit. P. 258. Compare-se com o que Peirce chama de experiência: “A consciência da ação de um novo sentimento, a destruir o sentimento anterior, é aquilo a que denomino experiência. De modo geral, experiência é o que, ao longo da vida, me compeliu a pensar”. Semiótica e filosofia -Textos escolhidos... cit. P. 138; “ Collected Papers, v. 8, bk. 2, p. 221.
[16] - Cf. Granger. op. cit., p. 254: “Todas as propriedades logicamente conhecíveis do objeto são desdobradas como relações com outros objetos no interior de uma estrutura, onde este objeto não é senão o nó de uma rede”.
[17] - Cf. Granger. op. cit., p. 253: “Propomos chamar significações este aspecto da prática que não recebe estruturação manifesta, mas que é o avesso inseparável de toda atividade apreendida na sua integridade”.
Cf. também: L’explication dans les sciences sociales. P. 42. Inform. Sci. Soc. v. 10, n. 2, p. 31-44 : “(...) a noção de superestrutura aparecerá primeiro, com um sentido relativo, como toda estruturação que pressupõe uma outra, depois, com um sentido absoluto, como organização das ‘significações’ que o pensamento abstrato não consegue reduzir; mas esta incapacidade, se nós a postulamos como constitutiva e simétrica por assim dizer, da irredutibilidade do vivido sensível, ela não define de modo algum de uma vez por todas os limites do estruturável por modelos, cujas flutuações dependem dos progressos da prática humana”.
Comp. com a indeterminação produzida, completamente, segundo Peirce, pela lei, relativamente à natureza: “Experimente verificar qualquer lei da natureza e descobrirá que quanto mais precisas forem suas observações, tanto mais certo que demonstrem irregulares desvios da lei”. Peirce, Charles Sanders, Collectec Papers, v. 6, liv. 1, cap. 2, p. 36-7.
[18] - Cf., por exemplo, Colim, Armand. Essai d’une philosophie du style. Paris, 1968, principalmente a segunda parte ? Style et structure de langage ? onde, aliás, o artigo “Objet, structures et significations” é retomado com modificações e desenvolvimento.
[19] - Collected Papers, v. 2, liv. 1, p. 51; cit. por Granger. op. cit. p. 260.
Um dos exemplars de Peirce Collected Papers, v. 2, §; Semiótica e filosofia -Textos escolhidos...cit. p. 119, é o seguinte: “(...) um ébrio é apresentado para mostrar por contraste a excelência da sociedade...”, ao que Granger observa: “O representamen é o homem bêbado, a idéia ou objeto é a excelência da sobriedade; o interpretante pode ser constituído por outras representações da embriaguez, associadas às da sobriedade, representações encadeadas numa seqüência infinita e que remetem todas à idéia ou objeto
primitivo”. Essai d’une philosophie du style. cit. p. 114.
[20] - Granger. op.cit. e também “Objet, structures et signification”, p. 260.
[21] - Les embrayeurs, les catégories et le verbe russe. Essais delinguistique génerale. Paris, Minuit, 1963. cap. 9, p. 176-96.
[22] -Quanto à função da língua natural, concebida essencialmente como comunicação, não concordo inteiramente. Acredito, a partir dos trabalhos da filosofia analítica de Oxford, dos trabalhos de Oswald Ducrot, que a linguagem se define igualmente por outras funções específicas tão importantes quanto a função comunicativa. Cf. esse propósito meus livros, publicados posteriormente à publicação original desta resenha, O intervalo semântico – contribuição para uma semântica argumentativa, São Paulo: ed. Ática, 1977 e Linguagem, pragmática e ideologia, 2ª ed., São Paulo: Ed. Hucitec, 1989.
[23] - Granger. art. cit. p. 266.
[24] - Ver, neste sentido, as críticas de Cesare Segre à semiologia de Barthes, em: “Verso una crítica semiológica. I segni e la critica. Einaudi, 1969.
[25] - Cf. Granger. art. cit. p. 273: “O sentido que pode ser dito ‘literal’ ou estrutura da mensagem é assim recebido pela remetência normal que se efetua das marcas que têm valor na língua ou ‘objeto’ do esquema de Peirce. Mas a utilização feita pelo locutor na sua fala dos elementos redundantes não pode ser diretamente e totalmente decifrada, pois que ele não se apóia em nenhuma regra explícita, uma vez que não existe uma supralíngua...” O uso é, no entanto, aprendido primeiramente como possibilidade de significação, uma vez que a distribuição, o arranjo dessas marcas virtuais, ainda vazias para o receptor, é percebida globalmente como significativa. Uma espécie e crivo flexível, lacunar e deformável se constitui, tanto mais é o receptor sensível e o locutor tiver “estilo”.
[26] - Ver, neste sentido, meu artigo “A palavra envolvente”, publicado em Linguagem, pragmática e ideologia, pp. 7-42.
[27] - Ver Ducrot, Oswald. Dire et ne pas dire - Principes de sémantique linguistique. Paris, Hermann, Col. Savoir, 1972.
[28] - Para um estudo mais preciso dos atos de linguagem, ver, além do livro de Ducrot, citado acima, Austin, J. L. Quand dire c’est faire. Paris, Seuil, 1970, Todorov, T. et alii: L’enonciation. Langages, Paris, Didier - Larousse, v. 17, março de 1970.
[29] - A distinção entre posto e pressuposto pode ser sistematicamente verificada numa dada língua, o que evidentemente garante a sua validade descritiva. Assim, quando submetemos um enunciado ? o enunciado 1), por exemplo ? a modificações como as operadas pela negação e pela interrogação, verificamos que apenas aquilo que é posto sofre tal modificação, enquanto que o pressuposto permanece inalterado. Da mesma forma, a coordenação e a subordinação que logicamente encadeiam tal enunciado à continuidade do discurso, concernem sempre o posto e nunca o pressuposto.
A posição de um enunciado é, portanto, relativa ao conteúdo informacional que este enunciado veicula, enquanto que a pressuposição dispõe as condições para que tal conteúdo se atualize. Evidentemente, haverá casos em que os critérios apontados para a distinção desses dois elementos semânticos deixarão entrever desvios, que no entanto podem ser recuperados como índices sistemáticos de um funcionamento específico da linguagem, ou, mais precisamente, da função polêmica da linguagem a que me refiro em “A palavra envolvente”.
Quanto à natureza da pressuposição lingüística, as posições são divergentes: desde Frege, passando pelos trabalhos dos filósofos de Oxford até mais recentemente Fillmore, tem-se sustentado a definição dos pressupostos como condição de emprego. Ducrot, em Dire et ne pas dire, além de discutir essas opiniões propõe que a pressuposição seja entendida como um ato específico de linguagem - o ato de pressupor - cuja função é dispor certas condições de continuidade do discurso.
[30] - Granger. art. cit., p. 263. Na seqüência desta observação, Granger oscila entre o termo “retórico” e o termo “pragmático” no sentido de Morris-Carnap. O que importa, no entanto, reter é que, seguindo o pensamento do autor, “pelo jogo dos interpretantes ? que varia evidentemente e um para outro receptor ? significações indefinidas são associadas ao sentido determinado do ‘objeto’, que é, no caso uma estrutura canônica imposta pela língua à experiência”.
[31] - Mais de uma vez, em cursos, Ducrot manifestou seu interesse por gramáticos como Pierre d’Espagne e Occam, fato também manifesto não só em conversas pessoais com o autor, como também em sua obra, como é o caso de Dire et ne pas dire.
[32] - Cf., por exemplo, Weinreich, Uriel. On the semantic structure of language, p. 148-9. In: Universals of language. 2.ed. Greenberg, Joseph H. ed. Cambridge ? London, M.I.T. Press, 1966, p. 142-216, quando defende a investigação do discurso em seus aspectos lógicos, desde que, entre outras condições, seja satisfeita a de que não haja aí nenhuma espécie de normativismo. Diz ele: “O lingüista descritivo não tem nenhum interesse em tornar o uso da linguagem ‘mais lógico’ do que ele é - ao contrário, ele deve explicar, se possível por que ele não é, com efeito, mais lógico”.
[33] - A noção de significação implícita não pode ser reduzida a nenhuma forma de codificação, ainda que segunda, sob pena de tornar-se explícita e perder assim a propriedade que permite, por exemplo, ao locutor, dizer sem assumir a responsabilidade de ter dito. Deste modo, a significação implícita não poderia ser tratada como um fenômeno de conotação, no sentido em que a retórica, como codificação das manobras estilísticas, trata do problema. Cf. Ducrot, Oswald. Dire et ne pas dire. cit. p. 16 e seg. Barthes, Roland. Élements de sémiologie. Ed.Avec Le degré zéro de l’ecriture. Paris, Conthier, 1965. p. 163 e seg.
[34] - Semiótica e filosofia -Textos escolhidos... cit. p. 95, Collected Papers, v. 2, bk. 2, chap. 2, p. 136.
[35] - Dire et ne pas dire. cit. p. 16-7.
[36] - A respeito do autor. Semiótica e filosofia -Textos escolhidos...cit. p. 46.
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